No outro dia, estava à espera do autocarro e tudo à minha volta acontecia
em perfeita sintonia. Nada de novo, nada fora do normal; estava a ser uma manhã
bastante normal.
Entre umas palavras, que vão surgindo
nas conversas dos “habitantes de paragem”, estava uma mãe a falar com o seu
filhote, ele não teria mais do que quatro anos mas ouvia a sua mãe com toda a
atenção. Enquanto esperávamos pelo autocarro, a mãe mais do que uma vez lhe
disse: “não confies em estranhos.
Esta mãe fez-me recordar a minha
infância onde a minha mãe, também várias vezes me disse o mesmo e tenho quase a
certeza que mais ou menos passamos pelo mesmo. Acho que deve ser das primeiras
frases que ouvimos, ainda em pequenos, quando começamos a “ir à rua”, isto é,
quando o nosso meio familiar é alargado ao infantário ou à escola. A
preocupação dos pais é uma constante na vida dos seus filhotes; não se cansam
de os alertar para os desconhecidos que andam na rua. Com eles o melhor a fazer
é estar sempre de pé atrás, nunca se sabe o que pode acontecer.
Até aqui nada de novo mas não foi
isto que me fez escrever, foi sim outra experiência que só posso explicar
recorrendo a esta:
Estava eu com um grupo de crianças da
catequese e durante uma conversa surgiu a questão: “vocês confiam em Jesus?”
Quase todas as crianças me disseram que sim; a excepção foi uma menina que
muito timidamente levantou o dedo e me disse: “eu não confio em Jesus; Ele é um
estranho”. Posso dizer-vos que por momentos fiquei sem reacção e dei por mim
interiormente a dar razão à pequena.
Ela tinha toda a razão para não
confiar em Jesus. Toda a sua pequena vida tinha sido marcada por um conselho,
por parte das pessoas que mais amava, para não confiar num estranho; agora ela
estava a aplicar o mesmo raciocínio com Jesus e com razão. Jesus para ela ainda
era um estranho; já tinha ouvido falar Dele, já tinha até falado com Ele mas
não passava de um estranho.
Hoje dou por mim a pensar no mesmo
assunto e vejo que o raciocínio da pequena “Maria”, está mais presente do que
parece na mente de muitos cristãos adultos os quais, não confiam em Jesus por
Ele ser ainda um desconhecido.
Todos nós já vimos o presidente da
república, já o ouvimos falar, já ouvimos falar dele, já o vimos rodeado de
muitas pessoas, sabemos de muitas coisas feitas por ele, até lhe podemos
escrever se assim quisermos no entanto não deixa de ser um estranho.
Pessoalmente não posso confiar nele pois não existe entre nós uma relação,
pessoal, que me possibilite um conhecimento dele ao ponto de me levar à confiar
nele.
O mesmo se passa com muitos cristãos
que já ouviram Jesus, já puderam falar com Ele, até sabem como Ele agiu numa ou
noutra situação mas não passa disso; não passa de um simples saber coisas Dele.
Não o conhecem. Jesus continua a ser para eles um estranho, um “ele” nas suas
vidas; alguém que está de fora. Quem está do lado de fora das nossas vidas não
nos inspira confiança. Quando começamos a relacionar-nos com alguém, começamos
a poder considerar essa pessoa digna de confiança, um “Tu”; todos aqueles que
nas nossas vidas passaram de um “ele” (que está fora de nós) a um “tu” (que faz
parte de nós), inspiram-nos confiança.
A grande questão com que nos
deparamos face a um relacionamento com Jesus, é a forma como esse relacionamento
se realiza. Nós não O podemos conhecer tal como podemos conhecer todos os que
nos rodeiam, isto é, com os nossos cinco sentidos. Digamos que para
conhecermos; para nos encontramos com Jesus temos que utilizar um outro
“sentido”. Só O podemos conhecer dentro de nós. Para isso temos que nos abrir a
Ele; baixar as nossas defesas, baixar as defesas que nos foram apurando ao
longo da nossa infância.
A passagem de Jesus de um
desconhecido a um Amigo, dá-se inicio precisamente quando baixamos as nossas
defesas e começamos a confiar num até então desconhecido. Geralmente temos a
tendência de nos colocarmos perante Deus da mesma forma que os colocamos
perante um estranho; digamos que é mais fácil, não nos coloca em causa.
Agora só para nós os dois que ninguém
nos ouve: “ficamos sempre a perder quando agimos assim...”
Luís Sousa